terça-feira, 15 de maio de 2007

JORNAL CAC (SEM TÍTULO) N°00

(SEM TÍTULO) n°00 - jornal do C.A.C.

EDITORIAL

Este é o (SEM TÍTULO) jornal do CAC. Como as pinturas que não conseguem restringir-se ao universo de um único nome, nós também não temos nome. Mas queremos ter. Acreditamos que o nome surgirá naturalmente, portanto podem mandar sugestões!
O jornal pretende ser um veículo livre de produção e circulação de idéias, quaisquer que sejam elas. Não queremos ser divulgadores de nada (espetáculos, festas e etc.), o espaço que temos é pouco e o próprio departamento tem melhores meios de divulgação do que este jornal; o que procuramos é ser meio de provocação, problematização e circulação.
Todos podem, e devem, escrever o que bem entenderem. É só enviar ao e-mail jornalcac@hotmail.com Teremos três meios de apresentação: distribuição da tiragem impressa (+/- 100 exemplares); O mural ao lado da secretaria e pelo blog do grêmio: http://gremiocac.blogspot.com/ (onde, eventualmente, podemos publicar complementações das matérias) Que viva esse jornal!
Andanças de um Fantasma nada Acadêmico
Isto aqui poderia começar assim:
Grama verdinha, verdinha, verdinha.
A grama verdinha bem cuidada pergunta ao Fantasma meio displicentemente: por que diabos você resolveu estudar artes cênicas?
Mas isto aqui não tem a intenção de ser uma patética cena de surrealismo contemporâneo. Até por que eu não pretendo colocar um glossário ao pé da página.
Cacofonias à parte, esta é a história do Fantasma Nada Acadêmico que conseguiu passar no vestibular e entrou com louros e festejos no diminuto departamento de Artes Cênicas da Universidade de São Paulo. Escola de Comunicação e Artes, a mais querida, mais desejada, o alvo mais difícil, onde são realizados todos os anseios profissionais e, quem sabe, pessoais da comunidade acadêmica latino-americana; segundo os alunos da Escola de Comunicação e Artes. Embora a semana dos bixos tenha sido bastante receptiva com suas tintas enfiadas no ouvido e moedinhas arrecadadas no meio da rua pelos ingressantes para financiar a cervejada veteranesca, o Fantasma se sentiu bastante desanimado pois no departamento de Artes Cênicas encontrou uma problemática ambulante: o primeiro ano de faculdade. A questão bacharelado/licenciatura pareceu-lhe bastante confusa visto que um fantasma dando aula é sem dúvida apavorante, e no palco então, é uma alma translúcida perdida entre a iluminação e as falas decoradas. Não se trata de talento, pensava. Trata-se de eu ser o que eu sou... E talvez de alguma conspiração astral que reorganize meu destino de acordo com os eclipses lunares. Faz sentido na universidade.
O Fantasma Nada Acadêmico, entretanto, é bastante empenhado e entrou com um processo judicial para tentar mudar seu nome no cartório para Fantasma Pouco Acadêmico e assim alcançar, sucessivamente, patamares mais avançados de conhecimento; em poucos anos ele será Fantasma Acadêmico e depois, muito além da imaginação, perderá o Fantasma e será Acadêmico, com a ajuda de Deus e de uma boa pesquisa de mestrado. Amém. Lembrando que depois voltará a ser apenas Fantasma, desgraçadamente, porque certas nomenclaturas não têm sua eternidade garantida em certos lugares. O Fantasma Nada Acadêmico não saberá disso porque seu orientador – assim como Stanislawsky – vai omitir este detalhe. Eu também não falarei nada... Eu, que aqui narro as aventuras e desventuras deste ser que precisa danadamente de um diploma USPiano.
Certa vez notou que estava perdido diante de tal estupefaciente Entidade: a Máscara Neutra. Senhora de todas as angústias expressivas do corpo e da mente!
Foi sua primeira chance de ultrapassar os próprios limites e erros, ver o que ninguém vê; desenhar movimentos sensíveis; encontrar o ponto comum entre o deslumbramento de assistir a um pôr-do-sol e assistir a um nascer do sol. Criou rituais preparatórios como respirar sete vezes e meia antes de colocar a Máscara, mexer o dedo mindinho do pé forçando-o contra o chão para aterrar-se antes de cada exercício, rezar pelos espíritos perdidos que vagam pelo Oriente e Ocidente. Nada deu certo, seu corpo permanecia vazio e fantasmagórico. Um dia, a luz ofegante do sol fez suas idéias ficarem aquecidas, olhou com atenção e descobriu que a Máscara Neutra, branca, inexpressiva, sem vida, não era nada mais do que o espelho único que refletia sua própria face. E daí pra frente tudo ficou mais fácil e cheio das vaidades. O Fantasma achara um espelho, algo que nunca acontecera antes, e agora podia enfim ter noção de sua imagem, de seu não-sorriso, e sem dúvida, a produção para as Quintas i Brejas nunca mais seria a mesma!
Entre uma aula de voz e outra, entre uma sessão eutonizante e uma ida ao Bandejão, o Fantasma Nada Acadêmico descobriu não poder usufruir mais daquela sala de ensaio dos alunos (que estava sendo utilizada para as aulas de cenografia e indumentária) mas podia guardar seus sustos e devaneios dentro dos armários novos que cheiravam à árvore de tão recém-nascidos.
A iminência estava por se anunciar: é impossível não se adequar à rotina universitária, por mais desuniversitário que você suponha ser. A grande jogada é não deixar morrer o que te impulsiona a apresentar-se todo dia como aluno, numa sala de aula. É isso que o Fantasma faz, e – sabem? – ele gosta de ser assim.
De manhã, às oito horas, o Fantasma chega ao departamento a flutuar, singrando a grama verdinha, verdinha, que sussurra quieta como quem acaba de abrir os olhos pela primeira vez: bom dia, por que diabos você resolveu estudar artes cênicas?
(Droga, a cena surrealista voltou...).
Alma Mater
Poesia e Ocupação


Quinta, dia 03 de maio havia uma audiência pública. Não Houve. Na porta da reitoria havia grades. Caíram. Dentro o coletivo. Todas suas belezas e suas dificuldades. Tudo é vivo, Autogerido. Transitam por aqui centenas e centenas de estudantes que se incorporam ao coletivo de organização e criação. Por outro lado as eternas disputas entre grupos e partidos e a afirmação dos Independentes. A Organização. Comissão de limpeza! Comissão de comunicação e imprensa! Comissão de alimentação! Comissão de negociação! Comissão de segurança! Comissão de cultura! E mais... Revirada cultural! Rádio várzea da ocupação (106,7)! Redecoração do ambiente com últimas notícias, moções de apoio, crafts com incentivos! Aulas públicas! Alguém diz: “devíamos ficar aqui pra sempre” Pode ser que de nada adiante, pode ser que nada se conquiste, pode ser que os decretos irrompam o sucateamento. Dizem sermos violentos, mimados, “remelentos”, burros, intransigentes. E de repente, numa segunda-feira a noite, chegam a ocupação 15 professores. Sentam do lado de fora e são cercados por cerca de 1.000 ALUNOS atentos !. Tomam a palavra: “A ocupação é SIM legítima” “Todas as conquistas na democracia foram conquistadas pela rebelião” “É emocionante ver o que vocês estão fazendo aqui” “Não podemos ficar parados, e vocês são a vanguarda da movimentação!” “O prédio está muito mais bonito agora” .... e em uníssono: “ESTAMOS COM VOCÊS!” Sorrisos, lágrimas .. a noite se ilumina de esperança. Eu acredito.


A refeição é um convite a refletir


Até onde vai a liberdade do homem? Era o que todos se perguntavam quando, em 2001, estourou o escândalo do alemão Armin Meiwes, que matou e devorou o corpo de Bernd Jürgen Brandes, que havia conhecido pela internet. A própria vítima lhe pediu para que amputasse seu pênis – para que os dois comessem juntos – e depois o matasse. Assim aconteceu, com o pleno consentimento de Brandes. O caso, com a conseguinte condenação de Meiwes, chocou e dividiu o mundo. Embora para muitos tenha sido um ato de extrema brutalidade, alguns consideraram um direito dos dois fazer o que quisessem com seus corpos. Desvio mental ou não, há os que defendem a liberdade irrestrita no que diz respeito à matéria física de cada ser humano, seja com uso de drogas ou com taras consideradas anômalas, como a coprofilia.
É justamente o canibalismo que está em pauta em A refeição, de Newton Moreno. Mostrando como a antropofagia pode ser vista com estranheza ou de forma natural, de acordo com as diferentes culturas, a obra faz um retrato profundo de diferentes sociedades, bem como de complexos psicologismos dos personagens, relacionando-os à sua inserção ou exclusão delas. Sem preconceitos ou julgamentos, se embrenha nas motivações de cada um que comete o ato em questão. A obra é composta de três peças curtas, ou movimentos, que trazem diferentes visões sobre o tema. A direção de Denise Weinberg, prezando pelo minimalismo, relaciona-as pelo ponto de vista da evolução humana, sem tratar o assunto como regresso ao primitivismo, como é comumente abordado.
O primeiro movimento mostra um casal perturbado, tentando entender o que aconteceu há pouco. Após anos de uma convivência dita normal, o marido pediu um pedaço da esposa e, tendo o seu consentimento, comeu alguns de seus dedos. Parecendo para eles mesmos um lampejo de loucura, debatem sobre desdobramentos que houve e ainda haverá do ocorrido, como problemas com a polícia e julgamentos alheios. Tendo que enfrentar, primordialmente, o próprio preconceito, a tensão constante e o desencontro entre eles são retratados por uma cena que dispõe apenas de duas cadeiras e da interpretação de Marat Descartes e Luah Guimarães, que percorrem meticulosamente diversos estados psicológicos de seus personagens, buscando a delicadeza de quem está fazendo um esforço descomunal para entender a si mesmo e ao outro. Em pé, quase parados, ou nas cadeiras, com sutis guinadas, sempre mantendo certa distância um do outro, eles conduzem a trama, cujo desfecho mostra, de uma forma surpreendente, uma possível aceitação deles mesmos para com o instinto que demonstram ter.
A segunda história mostra um homem de uma família abastada que na adolescência, por influência de amigos, passou a sodomizar moradores de rua, dando-lhes, em troca, um parco dinheiro. No momento retratado, ele conta sua vida para um mendigo, dizendo ser este o primeiro por quem verdadeiramente se apaixonou. Plínio Soares, enrolado em um cobertor, quebra o que poderia ser um monólogo, fazendo papel quase de objeto, a serviço das ações físicas do “playboy”, que mostra um Marat Descartes agressivo, com traços de loucura, completamente diferente do movimento anterior, mas tão minuciosamente trabalhado quanto. Ao fim da declaração, depois de ter demonstrado várias vezes uma obsessão por sujeira, o protagonista pede ao sodomizado qualquer um de seus pedaços mais sujos. Instaura-se uma expectativa pela reação, que é rapidamente rompida por uma solução que espanta por um imediatismo que imprime caráter corriqueiro ao que parece a todos algo extraordinário.
Na terceira pequena peça, uma antropóloga registra num gravador as últimas palavras de um índio moribundo, último representante de uma tribo extinta, para que dela fique alguma memória documentada. Falando da cultura de seu povo e de seu contato com os brancos, o índio nos imerge no seu universo, como uma preparação para o que vem a seguir, quando ele pede para que a antropóloga, em troca das palavras que ele está dando, coma-o quando ele morrer. Diz que, sendo esta uma velha cultura da tribo, é necessário que ele continue vivendo em outro corpo para, assim, não deixar seu povo morrer completamente. A estudiosa recebe o fato com estranheza e hesita em cumpri-lo. Neste movimento, o mais minimalista dos três, Plínio Soares e Luah Guimarães quase não têm movimentações, segurando a tensão dramática em suas interpretações. A atriz também apresenta um trabalho camaleônico em relação à primeira cena, trazendo, desta vez, um maior desconforto e indignação frente à proposta feita, com uma maior convicção interior da personagem, que a leva à exaltação.
Quando o público entra no teatro, a encenação já se assume explicitamente teatral, abstendo-se das habituais pernas (panos que ficam nas laterais do palco para esconder os bastidores) e mostrando painéis abaixados ao nível do palco. Os interlúdios, costurando as três peças, também deixam visível ao público a troca de figurinos e de objetos de cena, além de serem os únicos momentos do espetáculo em que há música, acompanhada em alguns momentos por algum ator dançando. Para cada movimento, levanta-se um painel, sempre maior do que o do movimento anterior, gerando uma idéia de evolução. Esta mesma idéia é expressa na cena final, após a última peça, que, embora simples, mostra-se como auge plástico do espetáculo, trazendo um grande impacto como síntese da concepção, fazendo-se chave de toda a montagem.
A seqüência dos movimentos pode ser vista de diversas formas, mas é interessante pensar no que parece ser a linha adotada pela direção: de que ela apresenta um crescimento, uma evolução. Para isso, é necessário considerar a aceitação dos personagens para com o próprio ato antropofágico e sua função. Na primeira peça, o casal ainda tenta aceitar o ocorrido. Na segunda, o “playboy” e o mendigo parecem convictos do que fazem, embora a relação entre eles e os métodos de persuasão do protagonista sejam questionáveis. Na terceira, uma filosofia cultural leva o índio a fazer seu pedido e a antropóloga a tentar entender a dimensão disto. Pode ser compreendido como o amadurecimento máximo da relação canibal.
A refeição é um espetáculo panorâmico, que possibilita múltiplas leituras e diversas reflexões, que vão desde o preconceito até a noção de liberdade. Uma obra inquieta, que não deixa ninguém impune, transformando consideravelmente o espectador, mexendo com quaisquer conceitos pré-estabelecidos que ele possa ter e fazendo-o pensar profundamente sobre si mesmo e sobre a sociedade em que vive. Uma montagem extremamente coerente, que faz jus a toda a contundência do texto.


Por Eric Rieser

2 comentários:

Administrador disse...

Endosso e boto fé.

Anônimo disse...

Preciso urgente do contato de Alma Mater.
No aguardo.
Obrigado.